quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Somos todos migrantes

Ao revelar-se, Deus se revela a um povo de nômades que iam de lugar em lugar em busca de pastagens para o rebanho. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó é um Deus peregrino que acompanha a marcha de seu povo e sempre o conduz a dias melhores como o fez ao tirá-lo da terra da escravidão e reconduzi-lo à terra de Canaã.
A história de Jesus, Deus encarnado, não foi diferente, desde o seu nascimento e, sobretudo em sua vida pública, o Nazareno ia e vinha percorrendo vários territórios e vindo a ser morto em Jerusalém, fora de sua pátria.
A história do Brasil é mesclada de várias raças, povos e culturas que, por motivos vários, saíram de suas terras e vieram para esse país com dimensão continental e aqui constituíram nova vida, nova terra, novo povo. Em certo sentido, somos todos migrantes, todos peregrinos em busca de condições melhores para viver.
A onda de conflitos no Oriente Médio, causados pelas guerras e pelo terrorismo, os terremotos que assolaram o Haiti, os conflitos políticos e civis na África e na Ásia fizeram vir à tona a questão da migração. A Europa, que em outro contexto, fugiu da fome, da peste e da guerra, buscou outras partes do mundo para garantir a vida. Ela agora impõe muros físicos, políticos e econômicos procurando barrar a entrada dos imigrantes. Quem em outros tempos buscou portas abertas para os seus filhos, agora fecha as portas para aqueles que, acuados pela guerra e pela fome, busca uma oportunidade para sobreviver.
A mobilidade humana, apesar de constituir um desafio econômico, de segurança e de integração cultural é um direito humano. Ainda mais quando esta mobilidade é provocada por uma situação de guerra ou por uma catástrofe que mina as condições de vida na localidade de origem. É a vida que pede passagem, é a vida que pede o visto de entrada e de permanência. E o direito à vida é o primeiro e mais sagrado entre os direitos humanos.
Nossa fé em um Deus peregrino, nossa fé em um Deus que caminha com o seu povo nos aponta para a atitude de preservação e defesa da vida. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10). Defender a vida é acolher, defender a vida é abrir os braços, é derrubar muros, e aprender a reconhecer os outros povos como nossos irmãos. Como nos recorda o Papa Francisco, vivemos em uma grande “Casa Comum”, nosso destino também é comum. E, enquanto aguardamos a vida do Reino definitivo: Somos todos migrantes!
E isso é pra começo de conversa.


Denilson Mariano

Misericórdia e Miséria

Quando nos habituamos com o estilo de uma pessoa, logo o reconhecemos pelo seu jeito de falar ou de escrever. Isto se torna cada vez mais claro na pessoa de Francisco. Seu modo de falar, suas atitudes e seus escritos são marcados por um traço inconfundível de alegria e mais ainda de uma profunda misericórdia.
Sua última Carta Apostólica faz do encontro de Jesus com a mulher acusada de adultério um ícone da ação misericordiosa de Deus. Traz à tona as páginas de misericórdia do Evangelho, não raro esquecidas pela dureza de coração e pela cegueira da lei. Misericórdia é uma atitude a ser recuperada pela Igreja entendida não apenas enquanto instituição, mas uma atitude a ser recriada e assumida por todos os batizados. Cada fiel é chamado a ser misericordioso, só assim a Igreja será, verdadeiramente, misericordiosa.
Misericórdia há de ser o jeito de ser de cada um de nós, deve ser este o nosso estilo. Deve ser este o estilo de cada cristão. Por isso o Papa nos recorda que a misericórdia está no coração da Celebração Eucarística e que a Palavra de Deus é fonte de Misericórdia. O ministro ordenado é o ministro da misericórdia, os voluntários que atuam no serviço à misericórdia, leigos e leigas zelosos da defesa da vida, são os protagonistas da caridade.  Francisco ainda nos convida a conjugar no dia a dia um novo verbo “misericordiar”, agir com misericórdia, não desviar o olhar dos pobres e necessitados, não se furtar a ajudar a quem precisa, consolar os aflitos, acolher, perdoar... enfim, ser capaz de agir como Jesus. Dar ouvidos a Seu apelo: “Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso” (Lc 6,36).
E não se trata de nenhum romantismo, ou de uma ideia vaga. O anseio do Papa e seu convite a todos nós é cultivar uma atitude nova. Criar uma cultura da misericórdia capaz de vencer o individualismo que nos cega às necessidades dos outros. Uma nova maneira de agirmos e de convivermos de forma mais evangélica, mais cristã.
Na medida em que assumirmos um jeito mais misericordioso de ser e de agir, vamos fazendo com que nossa família seja mais misericordiosa;  nosso ambiente de trabalho será mais humano; nosso bairro e nossa cidade serão mais pacíficos; nossa Igreja e nosso mundo experimentarão maiores sinais do Reino de Deus. Com a prática da misericórdia, só temos a ganhar. E isso é pra começo de conversa.


Denilson Mariano.

Esperança e paz

  
No fim de ano, dois momentos fortes nos reconduzem ao anseio de Esperança e de Paz. Natal e Ano Novo, duas festas que, de certa forma, tomam conta da vida de todos os cristãos, em todas as partes do mundo.
O nascimento de Jesus nos aponta o infinito amor de Deus que não apenas quis morar com os homens, mas se fez homem para nos revelar a plenitude da humanidade. O Amor se humaniza para mostrar aos homens a essência da vida. Viver é essencialmente amar. Pois ao se humanizar, Deus plantou, definitivamente, a fraternidade no seio da humanidade. Somos todos irmãos. Devemos aprender a viver como irmãos, amando-nos uns aos outros. E nessa arte de amar, somos sempre aprendizes. Por isso, o caminho feito por Jesus, seu modo de ser e de viver, seu modo de pensar e de agir devem ser recriados por nós de acordo com a realidade e os contextos atuais.
Celebrar o Natal muito além de uma cerimônia na Igreja, seguida de uma ceia farta e de troca de presentes. Celebrar o Natal é abrir-se para a arte de amar o próximo. É fazer-se próximo, fazer-se irmão de todos, sobretudo daqueles menos favorecidos e, por isso, mais necessitados. Jesus é o nosso Caminho.
Na medida que conseguirmos ser mais irmãos uns dos outros, haverá também mais esperança. Conseguiremos diminuir as distâncias, teremos maior facilidade em perdoar e nos apegaremos menos às diferenças e mais ao que nos une. Os pontos de vista diferentes não serão causa de divisão, mas caminho para um mútuo crescimento.
Nesta virada de ano, quando celebramos 500 anos da Reforma Luterana, somos convidados a um esforço de comunhão ainda maior. Somos irmãos, seguimos o mesmo Cristo, partilhamos os mesmos desafios em nossa história. Não podemos nos dar ao capricho de que nossas diferenças enfraqueçam a fraternidade no mundo. Não estaríamos sendo fiéis ao Evangelho que anunciamos. Precisamos construir pontes, fortalecer a comunhão entre os cristãos: Jesus é a nossa Verdade.
E, no primeiro dia do ano, celebramos a fraternidade universal. Trocamos votos de felicidades, prosperidade e paz. Esses votos, para se concretizarem, têm de ser seguidos de atitudes de conversão, de prática de justiça, de luta contra a violência e contra a corrupção. Bons anseios podem ser a fagulha capaz de ligar o motor da fraternidade, mas, por si só, não constituem força capaz de mudar o mundo. O que muda o ser humano e por isso, é capaz de mudar o mundo, são as atitudes de amor. Não é sem motivo que aqueles que mais influenciaram o mundo, positivamente, foram pessoas que desenvolveram a capacidade de amar. As Igrejas, as religiões existem para fazer desabrochar no ser humano esta capacidade. A função da religião é potencializar os homens para o amor. O que destoa do amor, não vem de Deus... Mas Jesus, o filho de Deus, nos revela o rosto misericordioso do Pai, nos revela a verdadeira imagem do ser humano. Jesus é a nossa Vida. Um Natal de esperança e um Ano Novo de verdadeira paz para todos!


Denilson Mariano

Revista O Lutador Ed. 3883 – out 2016 – www.revista.olutador.org.br