sábado, 15 de dezembro de 2018

Esperançar é nossa missão!


O Natal, embora desfigurado pelo consumismo desenfreado e alienante, é sempre um convite à esperança. Não a uma atitude passiva que vem do verbo esperar, mas de uma atitude ativa, propositiva, que vem de esperançar, muito frisada pelo grande educador Paulo Freire. Esperançar vem de dar esperança; vem de animar(-se), de estimular(-se). 
É neste sentido que celebramos o Natal, reacendemos em nós a missão do Filho de Deus que veio ser esperança para o seu povo. Veio nos animar a buscar o Reino de Deus, veio nos estimular a servir Deus e aos irmãos... Decididamente, esperança não é uma atitude passiva, é antes engajamento a serviço da vida, a serviço do amor.  A missão do Filho de Deus é também nossa missão: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância.” (Jo 10,10).
O presente momento histórico é marcado pelo fortalecimento das forças e regimes ditatoriais que crescem no mundo. O discurso do ódio, da intolerância e da violência encontram fácil respaldo e adesão nas diferentes camadas populares. Os empobrecidos e marginalizados encontram-se ainda mais vulneráveis. Neste cenário, não cabe a nós cristãos a atitude de espera passiva, nem de acomodação à situação. Cabe a nós a atitude Paulina de quem assumiu com solicitude o projeto de Deus: “Não se amoldem às estruturas deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente a fim de distinguir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável a ele, o que é perfeito.” (Rm 12,2).
A exemplo de Jesus, que se encarnou em um momento crítico da história do povo de Israel, cabe assumir a Sua atitude de solidariedade e misericórdia aos mais sofridos, aos últimos da sociedade. Pois esta é a única forma de fazer o Reino de Deus chegar a todos. Decididamente somos levados a buscar em Jesus a força para nos animar diante das adversidades, a intrepidez para nos estimular a seguir os Seus passos na história de hoje.
Por isso essa edição de O Lutador vem marcada por testemunhos de quem empenha a vida em esperançar, dar esperança, animar, encorajar... Traz experiências de vida proativas de quem acredita na força da Palavra de Deus, na força do povo, na força do amor que é mais forte que a violência e a morte. Com isso acreditamos que Natal não é tanto uma festa a ser celebrada exteriormente. Natal é ocasião para acordar em nós a intrepidez missionária de Jesus. Natal é oportunidade de vencer as amarras, de fazer a luz brilhar nas trevas, acordar o amor que vence a violência e a dor.
Por isso, desejar Feliz Natal, ensejar um Ano Novo de saúde e paz, não é ficar esperando, como se não dependesse de nós. É esperançar, é buscar em Jesus a força motivadora e propulsora para um mundo novo que nasce das nossas atitudes a serviço da vida, contra tudo aquilo que fere os irmãos e a natureza. Um Feliz Natal e um abençoado Ano Novo começam a acontecer quando descobrimos que nossa missão é esperançar, é ser causa de esperança, é ser o começo da mudança que desejamos que aconteça.
E isso é pra começo de conversa e de um Feliz Natal pra todos!

Denilson Mariano

Em defesa da vida, da família e da fé



O Lutador, em seu nascimento, a 25 de novembro de 1928, recebeu a alcunha de “Bonus miles Christi”, o bom soldado de Cristo. Era uma época de grandes embates com as forças contrárias à Igreja católica, essa oposição era formada pelo tripé: maçons, espíritas e protestantes. Vestindo a “camisa” de seu tempo, o Jornal O Lutador nasceu e cresceu no clima da apologética. Acreditava-se mais no confronto que no diálogo.
O Concílio Vaticano II, grande divisor de águas na caminhada da Igreja, superou a estreita visão da cristandade medieval e abriu-se para um diálogo com o mundo moderno, com as ciências, com outros cristãos assumindo uma postura mais ecumênica e dialogal. O Lutador, aos poucos também foi-se abrindo, superando a postura apologética. Em seu desenvolvimento assumiu a defesa da fé, aprimorando o debate teológico em torno das grandes questões da Igreja.
É preciso dizer, que seu grande amor à Igreja, por vezes o fez pecar, por excesso. Talvez, em certos momentos, tenha pensado tanto com a cabeça em Roma, que não foi capaz de ver as sementes do Evangelho que frutificavam na Igreja latinoamericana na defesa dos pobres e excluídos. Mas, se assumiu certas posturas, talvez equivocadas, foi por excesso de zelo e por grande amor à Igreja e à sua doutrina.
Em nossos dias, O Lutador segue seu caminho. Procura ser uma luz para iluminar a caminhada de nossas comunidades e de nossas famílias. Fomenta a defesa da vida em sintonia com a Igreja, pela ação consciente, comprometida e testemunhadora de tantos leigos e leigas que levam a sério seu batismo e o seguimento a Jesus Cristo. Agora, no formato de Revista procura ser uma ferramenta de evangelização nas mãos do povo de Deus.
Em sua longa trajetória através dos tempos, O Lutador aprendeu a observar os rumos da história. E, com pesar, vê que na multidão dos que se dizem crentes, quer católicos ou protestantes, poucos trazem consigo traços de verdadeiro cristão. Apesar de grande prática religiosa com cultos, missas, celebrações, shows e programas religiosos no rádio e na TV, a grande maioria corre apenas atrás de uma bênção, uma cura, um milagre ou ainda um retorno financeiro. A religião parece reduzida a um “toma lá, dá cá”. “Se o Senhor me der o que eu desejo, eu faço esse sacrifício...” ou “faço essa oferta, porque o Senhor é obrigado a dar muito mais...”
No entanto, o coração está longe. A fé não se traduz em obras, em gestos de misericórdia. Uma religião mais de casca, apenas um verniz de católico ou evangélico, mas que não assume, na vida, as atitudes de opções de Jesus. Isto se estende também para os mais entendidos e estudados, pois a contradição não se resume aos leigos. O contratestemunho atinge também o clero, e os pastores, em seus vários escalões. Alguns parecem optar mais por seus privilégios pessoais sob a alegação de defesa de uma aparente ortodoxia. Assemelham-se mais ao levita ou ao sacerdote, que deixam o caído à beira da estrada... Jesus nos chama a ser bons samaritanos.
Nos anos 60 e 70º, muitos católicos disseram ter dado um passo a mais em sua conversão: trocaram a arma de fogo pela bíblia. Isso foi fundamental para a diminuição da violência. Hoje vemos católicos e evangélicos apostando na força das armas e da violência. O ódio está mais forte que o amor, a intolerância impede a prática da misericórdia. Fazem um caminho contrário ao de Jesus nos Evangelhos.
Certo de que é pelos frutos que se conhece a árvore, O Lutador segue sua luta em defesa da vida, da família e da fé, em todas as circunstâncias. Consciente de que hoje, não basta ser um “bonus miles Christi”, precisamos ser bons samaritamos como Cristo, em nossa cidade, no Brasil e no mundo. Afinal, como o Papa Francisco nos recorda, “a misericórdia é a chave do Reino”. E isso é prá começo de conversa, nestes 90 anos.

Denilson Mariano

O Evangelho nossa regra de vida




Há alguns dias atrás, recebi um vídeo através do whatsApp no qual Daniela Mercury esbravejava que “a Bíblia não é nossa Constituição”. A forma com a qual ela se expressava parecia indicar um conhecimento muito superficial da Palavra de Deus, ou talvez, uma visão reducionista e preconceituosa. Até porque, a Bíblia, de fato, não se presta a esta função. Antes, a experiência de fé de um povo, ali consignada, revela a ação de Deus que caminha com seu povo, que entra em nossa história e, como tal, serve de luz para iluminar o caminho de todos os filhos e filhas de Deus. Uma Palavra que lida e interpretada com o espírito em que foi vivida, transmitida e enfim, redigida, serve para nos ajudar a fazer escolhas e a tomar decisões mais acertadas.
O Papa Francisco, também há poucos dias, teve a coragem de pautar uma mudança no Catecismo da Igreja Católica deixando-se guiar pela da Palavra de Deus. Com esta atitude ele ajuda a Igreja a ver que a vida é mais forte que a morte e a pessoa humana é maior que sua culpa. Com esta atitude ele reafirma que a Igreja deve assumir o Evangelho como regra de vida. Aqui entendemos a Igreja não apenas como Instituição, mas como a comunidade de fé, de pessoas batizadas que se colocam no seguimento a Jesus Cristo. Desta forma, o Evangelho deve ser a luz a iluminar a vida da Igreja, a vida dos cristãos: a vida pessoal, familiar, comunitária e social. Isso nada tem a ver com pieguismo, muito menos com alienação. Trata-se de olhar para a vida de Jesus, luz que ilumina a Lei e os Profetas (cf. Mt 7,1-9) e, a partir de Seu testemunho, direcionar as ações, opções e decisões, sejam elas pessoais ou familiares, eclesiais ou sociais à luz do Evangelho.
Neste sentido o Papa Francisco tem não apenas se esforçado, mas tem nos convocado a colocar o Evangelho em prática. Ser um fermento do Evangelho no mundo. Não como uma espécie de receita pronta, mas como luz que nos permite o necessário discernimento. Saber escutar o que o Senhor nos diz para encontrar o que, de fato seja mais fecundo no “hoje” de da salvação. O discernimento, mediante a luz do Evangelho e do Magistério da Igreja, é capaz de libertar-nos da rigidez, das forças de morte e de opressão e de penetrar no mais profundo da nossa realidade ajudando-nos a optar verdadeiramente pela vida em abundância para todos (cf. Gaudete et Exultade, nº 173).
O Evangelho é uma força libertadora, Ele liberta daquilo que fere a vida humana e a vida no planeta. O Evangelho nos liberta de nossas inconsistências, de nossos desvios, vaidades, da violência, da corrupção e da injustiça. Aponta-nos sempre a direção que nos faz mais fraternos, solidários e mais verdadeiramente humanos. Ter a coragem de tomar o Evangelho como regra de vida é ousar colocar a vida em primeiro lugar, como bem maior a ser protegido, preservado, cultivado... O Evangelho nos revela o Filho de Deus, que veio ao mundo para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). Quanto mais o Evangelho for nossa regra de vida, mais vida teremos em nossa sociedade e no mundo.
E isso é pra começo de conversa.

Denilson Mariano

quarta-feira, 25 de julho de 2018

O Movimento da Boa Nova – MOBON - e sua contribuição para o despertar de leigos e leigas como sujeitos na Igreja e na sociedade.




Comunicação apresentada no XIII Simpósio Internacional de Filosofia e Teologia  
FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia Belo Horizonte - MG  2017

Denilson Mariano da Silva - Fórum Temático 13

Resumo: A corrupção tem tomado conta de várias esferas de governo e também disseminou-se no microcosmo das relações cotidianas. Vivemos uma enorme crise ético-política nacional. A Igreja é desafiada a trabalhar a formação dos leigos para que sejam sal, luz e fermento do Evangelho em meio à sociedade atual e possam torna-se de fato verdadeiros “sujeitos eclesiais”. Objetivamos verificar como a Dinâmica de Evangelização do Movimento da Boa Nova – MOBON, surgido na Diocese de Caratinga – MG, trabalha a formação dos leigos e promove o despertar da consciência crítica e o engajamento sócio político a partir da Palavra de Deus e em sintonia com os ensinamentos da Igreja. Como sujeitos ativos na evangelização, cresce a sua consciência crítica e o efetivo engajamento sociopolítico. Fé e vida, justiça e paz se entrelaçam e promovem o fortalecimento da Igreja e a transformação da Sociedade. Tem algo “novo” que pode oferecer pistas para a formação e missão do laicato diante dos desafios da contemporaneidade.

Palavras-chave: Formação de Leigos, Sujeito Eclesial, Compromisso Social.

Texto completo disponível em:
http://faje.edu.br/simposio2017/arquivos/comunicacoes/nao_doutores/Denilson%20Mariano%20da%20Silva.pdf


quinta-feira, 19 de julho de 2018

A missão merece a nossa santidade


Todos sabemos que a Igreja nasceu para a missão e, se deixar de ser missionária, deixa de ser a Igreja de Jesus. Ele congregou os discípulos, os instruiu e os enviou. Esta missão não se restringe a um pequeno grupo, mas é partilhada por todos os batizados. Homens e mulheres que se descobrem amados por Deus e por isso chamados a uma missão não apenas na Igreja, mas no mundo.
Porém, nestes tempos de individualismo, em que as pessoas olham apenas para si mesmas, é difícil pensar nos outros, nos pobres, nos necessitados; Neste tempo do pensamento vazio, no qual as pessoas se prendem a futilidades e ocupam o tempo com coisas de pouca importância, é difícil despojar-se, desapegar-se e se colocar a serviço; Neste tempo em que a solidariedade anda em baixa e as pessoas buscam apenas o maior conforto possível, vendo nisso a felicidade, é difícil doar-se, dar de seu tempo, de suas forças e energias para solidarizar-se com quem sofre e chora. Enfim, avançar para a missão, não é uma tarefa fácil. Exige despojamento, capacidade de doação, uma espiritualidade madura e sensibilidade pastoral.
Do encontro com Deus, nasce a missão: Deus sempre vem ao nosso encontro numa atitude amorosa. O amor de Deus não nos aprisiona n´Ele, antes, nos reenvia: “Pedro, Tu me amas? Apascenta minhas ovelhas.” (Jo 21,17). O amor a Cristo é a força propulsora para a missão. A ponto de podermos dizer que quem ama a Cristo se doa, se coloca a serviço. A medida desse amor é a medida da doação de cada um. Quem muito ama, muito se doa. Quem pouco ama, pouco se doa. Quem não se doa é porque não ama. Quando o amor a Jesus Cristo e a seu projeto de vida está enfraquecido, então, fica muito difícil partir para a missão.
Mas, quem se encontra com Deus e se descobre amado por Ele, vence as teias do individualismo e se abre para as necessidades do outro; rompe as amarras do vazio e encontra o sentido de vida no socorro aos sofredores; assume condições adversas solidarizando-se com os empobrecidos. Na bíblia, os encontros com Deus são sempre marcados com um avanço para a missão. Foi assim com Abraão, com Moisés, com os profetas, com Maria, com Jesus e os seus discípulos e com as pessoas de fé que marcaram e marcam positivamente a história da humanidade.
Por isso, a missão exige a nossa santidade. Ela nasce de nosso encontro com Deus que nos envia, nos precede e nos anima na missão. O missionário é convocado, sabe que não vai em nome próprio, ele é um instrumento escolhido por Deus para a missão. Sabe que deve ser atento às necessidades do povo. E, a exemplo de um pescador, também sabe que é o peixe, ou melhor, o povo, em sua realidade concreta, com seus dramas de vida, que mostrará ao missionário, onde este deve lançar as redes. Por isso sensibilidade pastoral é um requisito fundamental para que a missão seja frutuosa e possa gerar mais vida e esperança no seio das comunidades.
Deus abençoe nossos irmãos sacramentinos na África e os preceda nesta missão que lhes foi confiada. Pe. Odésio, Pe. Mayrink e Pe. Valdeci, por vocês, com vocês e em vocês, toda a família sacramentina se faz presente nesta terra sofrida, mas cheia de alegria e esperança. Alimentem esta esperança do povo, cultivem da sua alegria e fermentem com seu testemunho o espírito missionário em todo o nosso grupo congregacional. Afinal, a missão exige santidade e, pra começo de conversa, essa é a nossa vocação!


Editorial Revista O Lutador - Ed. 3903 - Agosto 2018

Mulheres “invisíveis”


Nas revistas em quadrinhos e em filmes no cinema e seriados da TV, a invisibilidade é apresentada como um dote, como um poder especial. Quem não se encantou com os filmes do “Homem Invisível” ou não se lembra do avião invisível da Mulher Maravilha... Porém, em nossa sociedade, a invisibilidade não se liga a super poderes ou dotes especiais. Invisibilidade diz respeito à falta de acesso a direitos básicos, refere-se ao descaso da sociedade e dos órgãos públicos que ignoram o sofrimento das pessoas, sobretudo das mais pobres e injustiçadas, aquelas que vivem em situações sub-humanas e desumanas.
Mulheres “invisíveis” diz respeito à vida de presidiárias cuja situação é ainda mais grave que a dos homens encarcerados. Além do problema da superlotação, a mulheres não recebem material de higiene pessoal (sabonete, escova e creme dental, absorventes); quando grávidas, os filhos nem sempre são registrados e nem sempre são vacinados no período correto.
De acordo com um levantamento feito a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, existem no Brasil 150 mulheres grávidas, 120 lactantes, e mais de 180 crianças nos presídios (dados de junho 2018). É uma situação que a sociedade não enxerga e até, não quer ver. Essas mulheres, socialmente falando, são “mulheres invisíveis”. Pessoas que vivem no submundo da prisão, verdadeiro “inferno” do qual saem piores que entraram, devido às situações a que são submetidas.
Salta ao olhos a situação dos filhos, que mesmo inocentes, cumprem penas com suas mães. Sabemos que o período da gestação e os primeiros anos de vida deixam marcas profundas na vida dos nascituros. Essas crianças carregarão para o resto de suas vidas as marcas desta situação desumana.
Somente atos humanos podem recuperar a humanidade nas pessoas. A Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB) tem um importante trabalho através do qual a Igreja se faz presente nos presídios que é Pastoral Carcerária. Entre as muitas atividades desta Pastoral se destaca a atenção que vem sendo dada à situação da mulher nos presídios.
“Estive preso e foste me visitar!” (Mt 25,36) é o espírito e a força que anima a Pastoral Carcerária que tenta ser uma presença humanizadora e de fé junto a essas mulheres “invisíveis” para a sociedade. Tenta também dar a elas voz e vez, tirando-as da invisibilidade através de apoio às suas necessidades e defesa dos seus direitos. E, parafraseando Mário Ottoboni, é importante lembrar que “toda pessoa é maior que sua culpa”. Toda mulher é maior que o erro que porventura ela tenha cometido. Precisamos enxergar a pessoa e encontrar meios de devolver-lhe a sua humanidade.
Lutar para a superação desta invisibilidade e pela dignidade humana de toda pessoa é um dever cristão. Ser capaz de enxergar essas mulheres como pessoas humanas é o mínimo que se espera de um cristão. Solidarizar-se com elas e com quem as apoia é um apelo evangélico.
E isso é pra começo de conversa!


Editorial Revista O Lutador. Edição 3902 - Julho 2018

Efervescência do Espírito


Há poucos dias, depois de celebrarmos a Ascensão do Senhor, celebramos a festa de Pentecostes. O referencial maior de Pentecostes nos é narrado no segundo capítulo do livro dos Atos dos Apóstolos. O medo é vencido, a presença de Deus se manifesta nos simples, há um novo ardor para o anúncio de Jesus, uma universalidade que se dirige e atinge a todos. No meio do povo percebe-se a manifestação sensível da ação de Deus na história. O desenrolar dos acontecimentos vai notificando que o Espírito não age apenas na vida das pessoas e na Igreja. O Espírito age na história, não se cansa e não se deixa aprisionar, como bem tem enfatizado em seus escritos o Pe. Victor Codina, teólogo catalão radicado na Bolívia. Sem uma busca de captar essa presença do Espírito, não conseguimos captar a densidade espiritual dos acontecimentos da história.
O Vaticano II foi um momento de efervescência do Espírito na nossa história. Dentro da Igreja, uma onda de movimentos como o movimento bíblico, o movimento litúrgico, o movimento ecumênico, do apostolado dos leigos, entre outros, criava um grande clima de esperança e de abertura ao diálogo com o mundo. Na sociedade, o avanço das ciências, as novas descobertas apontavam para um novo tempo na história. E, não havia como fechar-se a essa realidade. Isso foi captado pelo Papa João XXIII, pelos Padres Conciliares e possibilitou um verdadeiro Pentecostes na Igreja.
Talvez na recepção do Vaticano II pelo mundo afora, tenha faltado um pouco de coragem de deixar-se guiar pelo Espírito. Em muitos lugares, uma força de oposição foi-se levantando e emperrando as conquistas alcançadas no Concílio. Essas amarras também se fizeram presentes na América Latina. Mas o clamor do Espírito se fez ouvir pelo sofrimento do povo: as ditaduras militares tiravam a liberdade de expressão e aniquilava quem se opunha ao governo. A política econômica impunha-se sobre uma injustiça social que privilegiava a elite em troco da fome e da miséria da maioria da população. A dor e o sofrimento dos mais empobrecidos, o clamor do povo chegou aos bispos latinoamericanos que, a partir do Ver a realidade, buscaram luzes no Evangelho e chegaram a pistas de ação para Igreja.
Medellín foi um pentecostes na América Latina. Um acontecimento importante que precisa ser revisitado, não com saudosismo, mas como forma de captar a presença do Espírito de Deus na Igreja latinoamericana. Em Medellín nasce, ou melhor, renasce a Igreja dos pobres, aquela iniciada por Jesus. Em Medellín nasce um novo jeito de fazer teologia, um teologizar a partir de baixo, a partir da vida do povo, lugar onde age o Espírito de Deus. Em Medellín nasce um novo tipo de pastor, próximo do povo, sensível às suas dores, renasce uma Igreja participativa onde todos têm voz e vez, renascem os mártires da caminhada...
O Espírito aponta as realizações do Reino em nossa história e ilumina os passos para o verdadeiro seguimento de Jesus. A presença de Francisco na Igreja, nos aponta para a simplicidade do Evangelho, para uma Igreja em saída, acolhedora e misericordiosa. Os ventos do Espírito estão a soprar, oxalá nos liberte dos medos que amarram a Igreja, oxalá nos recobre o verdadeiro ardor missionário para que nossa presença no mundo na história, manifeste o amor universal de Deus quer vida em abundância para todos (Jo 10,10). Oxalá seja um novo pentecostes na vida da Igreja. E isso é pra começo de conversa.
Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador - Ed. 3900 - Junho de 2018

“Alegrai-vos e Exultai!”


Se pudéssemos contemplar Jesus anunciando as bem aventuranças, naturalmente encontraríamos a fisionomia de uma pessoa alegre, entusiasta e ousada. Não há como proclamar a felicidade com rosto triste, com semblante carregado e de forma apagada. E, precisamente as bem aventuranças estão no eixo da nova Encíclica do Papa Francisco que reforça o convite à santidade. Um texto que deve ser lido, internalizado e do qual temos de tirar suas consequências práticas para a nossa vivência cristã no mundo de hoje.
Assim como as bem aventuranças sinalizam esperança em meio às situações difíceis como pobreza, aflição, fome, perseguição... o apelo à vivência da santidade não significa fuga do mundo ou distanciamento das realidades que nos envolvem. Santidade é busca de colocar em prática o Evangelho. Traduzir em gestos o que cremos com a mente e com o coração.
Nesta Carta sobre o Chamado à Santidade, Francisco resume cada uma das bem aventuranças em um apelo simples e direto para a nossa vivência cotidiana, para nosso esforço constante de busca da santidade. Assim, ser santo é: “ser pobre no coração”, “reagir com humilde mansidão”, “saber chorar com os outros”, “buscar a justiça com fome e sede”, “olhar e agir com misericórdia”, “manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor”, “semear a paz ao nosso redor”, “abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas”.  Santidade é buscar coisas grandiosas, não isolar-se do mundo e da realidade que nos cerca. Santidade é a vida guiada pelo Espírito de Deus que se desdobra em atitudes de serviço à vida e que se cultiva com os pequenos gestos do cotidiano. Em síntese: “Não é que a vida tenha uma missão, a vida é uma missão” (27)
Desta forma, o culto, as celebrações, os atos litúrgicos e de devoção só cumprem o seu papel em nós, se nos tornam mais misericordiosos e acolhedores, se nos abrem à necessidade dos nossos irmãos mais sofredores. Não é sem motivo, que desde o início da Carta o Papa Francisco quer ajudar a superar duas antigas heresias que retornaram com força aos nossos dias.
Uma delas é o gnosticismo que reduz a fé a conhecimentos e raciocínios e que pensa ter resposta para tudo, com isso, anula a simplicidade do Evangelho, esvazia a doutrina de seu mistério e usa a religião em benefício próprio. No fundo é uma busca de dominar a Deus. É querer um Deus sem Cristo, sem Igreja e sem Povo. (37) A santidade segue um caminho oposto, é abandonar-se em Deus, pedir ao Senhor que nos mostre os Seus caminhos e neles, humildemente, caminhar.
Outra tentação é o novo pelagianismo, é confiar tudo à vontade humana dificultando a abertura para ação da graça de Deus. Manifesta-se em muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial.” (57) A santidade passa por outro caminho. Ser santo é aprender a contemplar Deus no rosto do irmão. (61)
Assim, neste ano do laicato, faz-se muito oportuna esta Carta do Papa Francisco. O exercício da santidade não resume à vivência interior, nem mesmo à presença assídua nos atos litúrgicos e devocionais em nossas igrejas. Tudo isso é importante na medida em que nos ajuda a vivenciar o Evangelho no dia a dia de nossa vida. Santidade é o Evangelho transformado em ação no exercício de nossa profissão. É o Evangelho direcionando nossas relações pessoais, familiares e sociais: em casa, no trabalho, no trânsito, no comércio, no lazer, etc. Se nossa vivência cristã não se resumisse aos momentos de culto, viveríamos num país mais humano, mais fraterno, mais cheio de vida e de esperança para todos. E não estaríamos tão cercados pelas ondas de corrupção...
Ser santo é colocar o Evangelho na vida, é ser fiel a Deus e misericordiosos com os irmãos. Afinal, a “misericórdia é a chave do céu” (105). E isso é pra começo de conversa!

Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador. Ed. 3899 - Maio de 2018.

O Desafio da Comunhão


Ao percorrermos os Evangelhos é fácil perceber os desencontros dos discípulos para com Jesus e destes entre si. Eles queriam mandar fogo do céu sobre os samaritanos, mas Jesus os repreendeu (Lc 9, 51-56); eles proíbem um quem expulsa demônios por não fazer parte dos doze e Jesus os contesta (Mc 9,38-41); eles querem despedir o povo cansado e Jesus lhes recomenda que eles mesmos é que tem de lhes dar de comer (Lc 9,10-17); Pedro não aceita que o Filho do homem tenha que passar pela cruz e é repreendido (Mt 16,21-23); Pedro e seus companheiros querem fazer tendas no alto do monte (Mt 17,1-9)... Enfim, as incompreensões cotidianas, a falta de clareza sobre a missão, a não compreensão dos desígnios do Reino e, sobretudo, os interesses pessoais enfraquecem a comunhão entre as pessoas e comprometem a comunhão na Igreja.
Parece um contrassenso. A Igreja, que tem a missão de ser Sacramento e Sinal da comunhão para o mundo, apresenta-se fragilizada no exercício da comunhão. E aqui entendemos Igreja como a comunhão dos fiéis... Há divisões no interior das comunidades, divisões entre as pastorais, divisões entre grupos e movimentos, divisões entre linhas eclesiais, divisões entre leigos e padres, divisões no interior do clero, divisões na Cúria Romana. Divisões entre católicos e protestantes...
Notadamente, a comunhão não é uniformidade. Por sua vez, a pluralidade de opiniões, a abundância de carismas, mesmo a diversidade de ideias é uma riqueza que não pode ser desprezada. Comunhão é a busca constante da unidade na diversidade, tendo como critério a fidelidade à prática e ao ensinamento de Jesus. Comunhão é apegar-se mais naquilo que nos aproxima na edificação do Reino de Deus. Comunhão é ser capaz de tratar os pontos de vista em conflito sem ferir ou sem prejudicar a unidade.
Na Igreja nascente, aconteceram pontos de conflito seja em relação à missão como entre Paulo e Barnabé, (At 15,16-41) seja em relação à circuncisão com acaloradas posturas entre Paulo e Pedro (Gl 2,11-16), mas zelava-se para que não enfraquecesse a missão, para que não prejudicasse a comunhão. Isso exigia abertura de alma e de coração. O Concílio de Jerusalém foi um testemunho de abertura ao diferente, ao novo e um passo importante e decisivo para a comunhão na Igreja.
É preocupante a postura unilateral e fechada de grupos que em nome de uma pretensa defesa da fé e da ortodoxia, ignora a caminhada e o esforço de comunhão da CNBB. Dissemina confusão nas redes sociais. Espalha cizânia que enfraquece a fé e o testemunho eclesial. Falta abertura de alma e de coração... Comunhão exige diálogo, diálogo exige escuta, escuta vem de “ob audire”, obediência primeiro a Jesus Cristo e à sua proposta do Reino que é vida em abundância para todos (Jo 10,10).
No capítulo 17 do Evangelho de João, na chamada “oração sacerdotal”, Jesus pede ao Pai, insistentemente, pela unidade dos discípulos. Por três vezes Jesus reza: “que eles sejam um, como nós somos um” (Jo 17,11); “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti.” (Jo 17,21); “para que eles sejam um, como nós somos um” (Jo 17,22). No seio da Trindade há uma perfeita unidade, “sem divisão, sem confusão, sem separação”. Este é o modelo de Comunhão a ser buscado e construído na Igreja em todas as suas intâncias e em todas as suas manifestações. O que se distancia disso, não pode ser de Deus...
E isso é pra começo de conversa

Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador Ed. 3899 - Abril de 2018