quinta-feira, 19 de julho de 2018

Mulheres “invisíveis”


Nas revistas em quadrinhos e em filmes no cinema e seriados da TV, a invisibilidade é apresentada como um dote, como um poder especial. Quem não se encantou com os filmes do “Homem Invisível” ou não se lembra do avião invisível da Mulher Maravilha... Porém, em nossa sociedade, a invisibilidade não se liga a super poderes ou dotes especiais. Invisibilidade diz respeito à falta de acesso a direitos básicos, refere-se ao descaso da sociedade e dos órgãos públicos que ignoram o sofrimento das pessoas, sobretudo das mais pobres e injustiçadas, aquelas que vivem em situações sub-humanas e desumanas.
Mulheres “invisíveis” diz respeito à vida de presidiárias cuja situação é ainda mais grave que a dos homens encarcerados. Além do problema da superlotação, a mulheres não recebem material de higiene pessoal (sabonete, escova e creme dental, absorventes); quando grávidas, os filhos nem sempre são registrados e nem sempre são vacinados no período correto.
De acordo com um levantamento feito a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, existem no Brasil 150 mulheres grávidas, 120 lactantes, e mais de 180 crianças nos presídios (dados de junho 2018). É uma situação que a sociedade não enxerga e até, não quer ver. Essas mulheres, socialmente falando, são “mulheres invisíveis”. Pessoas que vivem no submundo da prisão, verdadeiro “inferno” do qual saem piores que entraram, devido às situações a que são submetidas.
Salta ao olhos a situação dos filhos, que mesmo inocentes, cumprem penas com suas mães. Sabemos que o período da gestação e os primeiros anos de vida deixam marcas profundas na vida dos nascituros. Essas crianças carregarão para o resto de suas vidas as marcas desta situação desumana.
Somente atos humanos podem recuperar a humanidade nas pessoas. A Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB) tem um importante trabalho através do qual a Igreja se faz presente nos presídios que é Pastoral Carcerária. Entre as muitas atividades desta Pastoral se destaca a atenção que vem sendo dada à situação da mulher nos presídios.
“Estive preso e foste me visitar!” (Mt 25,36) é o espírito e a força que anima a Pastoral Carcerária que tenta ser uma presença humanizadora e de fé junto a essas mulheres “invisíveis” para a sociedade. Tenta também dar a elas voz e vez, tirando-as da invisibilidade através de apoio às suas necessidades e defesa dos seus direitos. E, parafraseando Mário Ottoboni, é importante lembrar que “toda pessoa é maior que sua culpa”. Toda mulher é maior que o erro que porventura ela tenha cometido. Precisamos enxergar a pessoa e encontrar meios de devolver-lhe a sua humanidade.
Lutar para a superação desta invisibilidade e pela dignidade humana de toda pessoa é um dever cristão. Ser capaz de enxergar essas mulheres como pessoas humanas é o mínimo que se espera de um cristão. Solidarizar-se com elas e com quem as apoia é um apelo evangélico.
E isso é pra começo de conversa!


Editorial Revista O Lutador. Edição 3902 - Julho 2018

Efervescência do Espírito


Há poucos dias, depois de celebrarmos a Ascensão do Senhor, celebramos a festa de Pentecostes. O referencial maior de Pentecostes nos é narrado no segundo capítulo do livro dos Atos dos Apóstolos. O medo é vencido, a presença de Deus se manifesta nos simples, há um novo ardor para o anúncio de Jesus, uma universalidade que se dirige e atinge a todos. No meio do povo percebe-se a manifestação sensível da ação de Deus na história. O desenrolar dos acontecimentos vai notificando que o Espírito não age apenas na vida das pessoas e na Igreja. O Espírito age na história, não se cansa e não se deixa aprisionar, como bem tem enfatizado em seus escritos o Pe. Victor Codina, teólogo catalão radicado na Bolívia. Sem uma busca de captar essa presença do Espírito, não conseguimos captar a densidade espiritual dos acontecimentos da história.
O Vaticano II foi um momento de efervescência do Espírito na nossa história. Dentro da Igreja, uma onda de movimentos como o movimento bíblico, o movimento litúrgico, o movimento ecumênico, do apostolado dos leigos, entre outros, criava um grande clima de esperança e de abertura ao diálogo com o mundo. Na sociedade, o avanço das ciências, as novas descobertas apontavam para um novo tempo na história. E, não havia como fechar-se a essa realidade. Isso foi captado pelo Papa João XXIII, pelos Padres Conciliares e possibilitou um verdadeiro Pentecostes na Igreja.
Talvez na recepção do Vaticano II pelo mundo afora, tenha faltado um pouco de coragem de deixar-se guiar pelo Espírito. Em muitos lugares, uma força de oposição foi-se levantando e emperrando as conquistas alcançadas no Concílio. Essas amarras também se fizeram presentes na América Latina. Mas o clamor do Espírito se fez ouvir pelo sofrimento do povo: as ditaduras militares tiravam a liberdade de expressão e aniquilava quem se opunha ao governo. A política econômica impunha-se sobre uma injustiça social que privilegiava a elite em troco da fome e da miséria da maioria da população. A dor e o sofrimento dos mais empobrecidos, o clamor do povo chegou aos bispos latinoamericanos que, a partir do Ver a realidade, buscaram luzes no Evangelho e chegaram a pistas de ação para Igreja.
Medellín foi um pentecostes na América Latina. Um acontecimento importante que precisa ser revisitado, não com saudosismo, mas como forma de captar a presença do Espírito de Deus na Igreja latinoamericana. Em Medellín nasce, ou melhor, renasce a Igreja dos pobres, aquela iniciada por Jesus. Em Medellín nasce um novo jeito de fazer teologia, um teologizar a partir de baixo, a partir da vida do povo, lugar onde age o Espírito de Deus. Em Medellín nasce um novo tipo de pastor, próximo do povo, sensível às suas dores, renasce uma Igreja participativa onde todos têm voz e vez, renascem os mártires da caminhada...
O Espírito aponta as realizações do Reino em nossa história e ilumina os passos para o verdadeiro seguimento de Jesus. A presença de Francisco na Igreja, nos aponta para a simplicidade do Evangelho, para uma Igreja em saída, acolhedora e misericordiosa. Os ventos do Espírito estão a soprar, oxalá nos liberte dos medos que amarram a Igreja, oxalá nos recobre o verdadeiro ardor missionário para que nossa presença no mundo na história, manifeste o amor universal de Deus quer vida em abundância para todos (Jo 10,10). Oxalá seja um novo pentecostes na vida da Igreja. E isso é pra começo de conversa.
Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador - Ed. 3900 - Junho de 2018

“Alegrai-vos e Exultai!”


Se pudéssemos contemplar Jesus anunciando as bem aventuranças, naturalmente encontraríamos a fisionomia de uma pessoa alegre, entusiasta e ousada. Não há como proclamar a felicidade com rosto triste, com semblante carregado e de forma apagada. E, precisamente as bem aventuranças estão no eixo da nova Encíclica do Papa Francisco que reforça o convite à santidade. Um texto que deve ser lido, internalizado e do qual temos de tirar suas consequências práticas para a nossa vivência cristã no mundo de hoje.
Assim como as bem aventuranças sinalizam esperança em meio às situações difíceis como pobreza, aflição, fome, perseguição... o apelo à vivência da santidade não significa fuga do mundo ou distanciamento das realidades que nos envolvem. Santidade é busca de colocar em prática o Evangelho. Traduzir em gestos o que cremos com a mente e com o coração.
Nesta Carta sobre o Chamado à Santidade, Francisco resume cada uma das bem aventuranças em um apelo simples e direto para a nossa vivência cotidiana, para nosso esforço constante de busca da santidade. Assim, ser santo é: “ser pobre no coração”, “reagir com humilde mansidão”, “saber chorar com os outros”, “buscar a justiça com fome e sede”, “olhar e agir com misericórdia”, “manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor”, “semear a paz ao nosso redor”, “abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas”.  Santidade é buscar coisas grandiosas, não isolar-se do mundo e da realidade que nos cerca. Santidade é a vida guiada pelo Espírito de Deus que se desdobra em atitudes de serviço à vida e que se cultiva com os pequenos gestos do cotidiano. Em síntese: “Não é que a vida tenha uma missão, a vida é uma missão” (27)
Desta forma, o culto, as celebrações, os atos litúrgicos e de devoção só cumprem o seu papel em nós, se nos tornam mais misericordiosos e acolhedores, se nos abrem à necessidade dos nossos irmãos mais sofredores. Não é sem motivo, que desde o início da Carta o Papa Francisco quer ajudar a superar duas antigas heresias que retornaram com força aos nossos dias.
Uma delas é o gnosticismo que reduz a fé a conhecimentos e raciocínios e que pensa ter resposta para tudo, com isso, anula a simplicidade do Evangelho, esvazia a doutrina de seu mistério e usa a religião em benefício próprio. No fundo é uma busca de dominar a Deus. É querer um Deus sem Cristo, sem Igreja e sem Povo. (37) A santidade segue um caminho oposto, é abandonar-se em Deus, pedir ao Senhor que nos mostre os Seus caminhos e neles, humildemente, caminhar.
Outra tentação é o novo pelagianismo, é confiar tudo à vontade humana dificultando a abertura para ação da graça de Deus. Manifesta-se em muitas atitudes aparentemente diferentes entre si: a obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial.” (57) A santidade passa por outro caminho. Ser santo é aprender a contemplar Deus no rosto do irmão. (61)
Assim, neste ano do laicato, faz-se muito oportuna esta Carta do Papa Francisco. O exercício da santidade não resume à vivência interior, nem mesmo à presença assídua nos atos litúrgicos e devocionais em nossas igrejas. Tudo isso é importante na medida em que nos ajuda a vivenciar o Evangelho no dia a dia de nossa vida. Santidade é o Evangelho transformado em ação no exercício de nossa profissão. É o Evangelho direcionando nossas relações pessoais, familiares e sociais: em casa, no trabalho, no trânsito, no comércio, no lazer, etc. Se nossa vivência cristã não se resumisse aos momentos de culto, viveríamos num país mais humano, mais fraterno, mais cheio de vida e de esperança para todos. E não estaríamos tão cercados pelas ondas de corrupção...
Ser santo é colocar o Evangelho na vida, é ser fiel a Deus e misericordiosos com os irmãos. Afinal, a “misericórdia é a chave do céu” (105). E isso é pra começo de conversa!

Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador. Ed. 3899 - Maio de 2018.

O Desafio da Comunhão


Ao percorrermos os Evangelhos é fácil perceber os desencontros dos discípulos para com Jesus e destes entre si. Eles queriam mandar fogo do céu sobre os samaritanos, mas Jesus os repreendeu (Lc 9, 51-56); eles proíbem um quem expulsa demônios por não fazer parte dos doze e Jesus os contesta (Mc 9,38-41); eles querem despedir o povo cansado e Jesus lhes recomenda que eles mesmos é que tem de lhes dar de comer (Lc 9,10-17); Pedro não aceita que o Filho do homem tenha que passar pela cruz e é repreendido (Mt 16,21-23); Pedro e seus companheiros querem fazer tendas no alto do monte (Mt 17,1-9)... Enfim, as incompreensões cotidianas, a falta de clareza sobre a missão, a não compreensão dos desígnios do Reino e, sobretudo, os interesses pessoais enfraquecem a comunhão entre as pessoas e comprometem a comunhão na Igreja.
Parece um contrassenso. A Igreja, que tem a missão de ser Sacramento e Sinal da comunhão para o mundo, apresenta-se fragilizada no exercício da comunhão. E aqui entendemos Igreja como a comunhão dos fiéis... Há divisões no interior das comunidades, divisões entre as pastorais, divisões entre grupos e movimentos, divisões entre linhas eclesiais, divisões entre leigos e padres, divisões no interior do clero, divisões na Cúria Romana. Divisões entre católicos e protestantes...
Notadamente, a comunhão não é uniformidade. Por sua vez, a pluralidade de opiniões, a abundância de carismas, mesmo a diversidade de ideias é uma riqueza que não pode ser desprezada. Comunhão é a busca constante da unidade na diversidade, tendo como critério a fidelidade à prática e ao ensinamento de Jesus. Comunhão é apegar-se mais naquilo que nos aproxima na edificação do Reino de Deus. Comunhão é ser capaz de tratar os pontos de vista em conflito sem ferir ou sem prejudicar a unidade.
Na Igreja nascente, aconteceram pontos de conflito seja em relação à missão como entre Paulo e Barnabé, (At 15,16-41) seja em relação à circuncisão com acaloradas posturas entre Paulo e Pedro (Gl 2,11-16), mas zelava-se para que não enfraquecesse a missão, para que não prejudicasse a comunhão. Isso exigia abertura de alma e de coração. O Concílio de Jerusalém foi um testemunho de abertura ao diferente, ao novo e um passo importante e decisivo para a comunhão na Igreja.
É preocupante a postura unilateral e fechada de grupos que em nome de uma pretensa defesa da fé e da ortodoxia, ignora a caminhada e o esforço de comunhão da CNBB. Dissemina confusão nas redes sociais. Espalha cizânia que enfraquece a fé e o testemunho eclesial. Falta abertura de alma e de coração... Comunhão exige diálogo, diálogo exige escuta, escuta vem de “ob audire”, obediência primeiro a Jesus Cristo e à sua proposta do Reino que é vida em abundância para todos (Jo 10,10).
No capítulo 17 do Evangelho de João, na chamada “oração sacerdotal”, Jesus pede ao Pai, insistentemente, pela unidade dos discípulos. Por três vezes Jesus reza: “que eles sejam um, como nós somos um” (Jo 17,11); “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti.” (Jo 17,21); “para que eles sejam um, como nós somos um” (Jo 17,22). No seio da Trindade há uma perfeita unidade, “sem divisão, sem confusão, sem separação”. Este é o modelo de Comunhão a ser buscado e construído na Igreja em todas as suas intâncias e em todas as suas manifestações. O que se distancia disso, não pode ser de Deus...
E isso é pra começo de conversa

Denilson Mariano


Editorial Revista O Lutador Ed. 3899 - Abril de 2018

Retalhos de coisas boas



 “Retalhos de nossa história bonitas vitórias que meu povo tem...” Este trecho da música “Baião das Comunidades”, de Zé Vicente, expressa um pouco do que foi o 14º Intereclesial das CEBs celebrado em Londrina, PR nos dias 23 a 27 de janeiro.  Um encontro costurado pela fé com a linha da esperança.
Animados pela Palavra de Deus, mais de três mil participantes, entre eles, leigos e leigas, representando as comunidades de todo o Brasil, indígenas, membros de outra igrejas e de outras tradições religiosas, diáconos, padres, bispos e religiosos(as), se reuniram para partilhar a fé e buscar pistas de ação diante dos desafios do mundo urbano.
Um encontro, organizado pela Ampliada Nacional das CEBs e pela Arquidiocese de Londrina, tendo à sua frente Dom Geremias, e que, apesar de alguns ventos contrários, permitiu avançar na consolidação da caminhada das CEBs no Brasil sob o lema: “eu vi e ouvi o clamor do meu povo e desci para libertá-lo” (Ex 3,7).
Um bonito testemunho vem parte da jovem Lúcia, de Maringá, PR:“Foi motivador ver as CEBs sendo confirmadas como sendo a porta da igreja que se abre para acolher o que vem de fora, da rua, das favelas, das periferias, dos grandes centros, do rural para assim sair para fora, ir a onde há sofrimento, onde há escravidão, onde a vida esta sendo descartável para estar juntos aos movimentos, sindicatos, de pessoas e das organizações que lutam para transformar essa triste realidade, para transformar a sociedade que descarta, exclui e gera morte.”
A Revista O Lutador também acompanhou este encontro de Fé e de Esperança para a Igreja do Brasil. Embora alguns se neguem a enxergar, foi um importante momento de comunhão eclesial, durante o evento contou-se com a presença de mais de 70 bispos. Um “kairós”, um tempo da graça de Deus apontando caminhos em meios aos grandes desafios do mundo urbano.
Vale como destaque a palavra final da assessoria do Pe. Vilson na miniplenária sobre a questão da violência. Ele, depois de um momento de silêncio para um síntese pessoal, destacou algumas observações do Papa Francisco, fruto de uma audiência pessoal com ele. Elas são um caminho a ser seguido por toda a Igreja do Brasil:
1. O laicato latino americano tem de assumir uma dianteira maior na vida da Igreja latino-americana;
2. O documento 105 da CNBB tem uma linguagem bonita, mas precisa ser efetivado;
3. Levem sempre consigo o documento Evangelho da Alegria (Evangelii Gaudium), nele está meu coração;
4. Se os cristãos olhassem os Evangelhos como olham o WhatsApp, as CEBs fariam uma revolução;
5. Temos de fazer com que a classe média se desmistifique de sua alienação; As comunidades devem acolher pessoas diferentes e favorecer sua conversão;
6. É preciso preocupar-se com a fome no mundo e isso passa pela questão da justiça social;
7. Urge cultivar a mística, a espiritualidade, sem ela de nada adianta a nossa luta...
E isso é pra começo de conversa

Denilson Mariano

Leigos: “Sal da Terra, luz do mundo”



No sermão da montanha, logo depois de proclamar as bem-aventuranças, Jesus anuncia ao povo, aos seus discípulos e discípulas, a missão de ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). Uma missão confiada, não apenas ao pequeno grupo dos doze, mas a todos os seus seguidores, em todos os tempos e lugares.
Neste início de ano temos presente o Ano Nacional do laicato, Instituído pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Será um tempo propício para acordar em todos os batizados esta missão de ser sal e luz. Isto se faz urgente, pois, uma boa parte dos cristãos, talvez mais da metade, não tem consciência do que significa seguir Jesus. Apoiados numa tradição religiosa ou familiar cultivam certa prática eclesial: ir à missa, rezar o terço, fazer uma novena... Tudo isso é importante, mas nem sempre chega a uma prática cristã: agir com justiça, socorrer os necessitados, defender a vida... Neste sentido é possível encontrar pessoas muito católicas, mas pouco cristãs. Grupos muito devotos, mas distantes da prática de Jesus. É preciso uma coisa, mas sem descuidar-se da outra.
Quando falamos em leigo, é preciso lembrar que teologia do laicato é profunda: o fiel é incorporado a Cristo pelo batismo e participa do seu ministério de profeta, sacerdote e rei. Neste sentido, desde o Concílio Vaticano II, os ensinamentos da Igreja, além de superar a visão de que os leigos eram cristãos de segunda categoria, destacam a sua comum dignidade dos cristãos como povo de Deus; também salienta a força de seu protagonismo e incentiva a sua ação como sujeitos na Igreja e no mundo. Porém, o avanço dos documentos no reconhecimento da missão dos leigos, encontra resistência na vivência cotidiana e na prática pastoral.
Presenciamos um reforço do clericalismo que distancia ainda mais clérigos e leigos. Isto não está de acordo com a prática de Jesus: “vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). E é esta fraternidade o sal e a luz de que precisamos na Igreja e no mundo para reforçar os sinais do Reino entre nós.
O 14º Intereclesial das CEB´s, que acontece em Londrina – PR nos dias 23 a 28 deste mês, será uma grande celebração da fraternidade: Representantes das comunidades de todo o todo o Brasil se encontram como Povo de Deus para celebrar a sua fé, animar a caminhada e buscar perspectivas para a ação diante dos desafios do mundo urbano. Um espaço de comunhão, onde se busca vivenciar a fé com olhos abertos e com mãos operosas. Seguindo o exemplo de Jesus, um jeito de ser Igreja que procura unir fé e vida, oração e ação, compromisso com Deus e compromisso com os irmãos...
Que este ano seja um ano abençoado para todos nós. Que a exemplo sal, saibamos viver a nossa fé para além dos muros eclesiais. O mundo precisa do sabor e do tempero do Evangelho. É por meio dos leigos e leigas, conscientes e comprometidos, que a proposta de vida de Jesus poderá penetrar as estruturas sociais e as nossas culturas. A exemplo do Espírito que é luz, fogo, calor, saibamos fazer com que a luz da nossa fé afugente as trevas da corrupção, da injustiça, da discriminação e da violência. Sejamos sal e luz, este é o apelo de Jesus. E isso é pra começo de conversa!

Denilson Mariano

Editorial Revista O Lutador Ed. 3896 - Janeiro 2018

sábado, 12 de maio de 2018

SUPERAR TODA FORMA DE VIOLÊNCIA



A arte, a ciência, a tecnologia, a robótica, os meios de comunicação, os esportistas, os profissionais de todas as áreas, enfim, a humanidade caminha numa constante busca de superação.
No entanto, a violência em suas várias formas: armada, verbal, física, moral, psicológica... mostra-se de difícil superação. Ela está nas casas, nos bares, nas ruas, no trânsito, no trabalho, nas disputas religiosas, nas torcidas dos estádios, nas brigas entre gangues, no tráfico organizado, nas milícias armadas, nas guerras civis e militares, nos conflitos entre estados e nações... A violência permeia as relações humanas, religiosas, sociais e culturais. Um fenômeno complexo, fruto de muitas e variadas causas, que por meio da força, da agressão física ou moral, faz com que uma pessoa não seja reconhecida como sujeito e seja rebaixada à condição de objeto, subjugada pelo poder e pela força. A violência fere, causa traumas, mata e sempre gera mais violência...
A evolução da humanidade deveria ser marcada pela superação da violência. Deveria ser um sinal de aprimoramento da espécie humana, que superando os instintos animais, a humanidade estaria mais próxima de um agir mais racional, consciente, inteligente e fraterno, fruto do reconhecimento de que somos irmãos e de que devemos ser solidários uns com os outros.
Buscar meios de superar a violência é trabalhar por uma sociedade mais humana e pacífica. É buscar meios de fazer com a vida em família, em comunidade, no bairro, no trabalho, nas igrejas, no trânsito... seja mais leve, mais pacífica, mais gostosa. Superar a violência é preservar a vida, é recuperar a fraternidade perdida. Afinal, “somos todos irmãos” (cf. Mt 23,8).
Este é o convite, o apelo e o empenho da Igreja do Brasil para a Campanha da Fraternidade 2018. Mas para que a Campanha possa produzir mais frutos, é preciso que seja acolhida, abraçada e levada a sério pela Igreja nos seus mais variados grupos, pastorais e movimentos. Nas palavras de Santo Inácio de Loyola, é preciso “sentir com a Igreja”. Fazer nossos os seus apelos. Se, pelo batismo, fomos configurados a Cristo formando um só Corpo Místico e se nos alimentamos do pão da Palavra e da Eucaristia, para continuar sua missão no mundo, não podemos ignorar esse apelo para a sincera busca de superação da violência. Ignorar esse apelo da Igreja do Brasil é um ato de falta de fraternidade, é um ato de violência... Nossa fé precisa transcender os momentos litúrgicos, os ambientes religiosos e se transformar em atitudes concretas a favor da vida e favor da superação de toda forma de violência.
A comunidade dos primeiros cristãos, apesar de toda hostilidade das perseguições, apesar de certos desentendimentos da parte das lideranças cristãs, deixou um testemunho importante: “Vejam como eles se amam!” (At 4,32). Os de fora da comunidade enxergaram esse diferencial nos cristãos. Isso é o mínimo a se esperar de cada um de nós que nos colocamos no seguimento a Jesus Cristo e carregamos o nome de cristãos. O próprio Jesus nos atesta que a prática do amor é que define o discipulado: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35). Comecemos por nós mesmos a rever nossos gestos e atitudes, nossas escolhas, ações e decisões... que elas sejam marcadas pela prática do amor e pela busca de superar toda forma de violência. E isso é pra começo de conversa!
Denilson Mariano